Tremiam as bandeiras ao vento acelerado de verão enquanto os alunos, rosados e entusiasmados, alongavam-se vividamente para a corrida. Tênis especiais, roupas frescas e coletes com suas devidas identificações numéricas compunham a visão daquele campo verde infestado de pequenos e sorridentes seres humanos. À sua volta, os familiares esticavam os longos braços para o alto, carregando, cada um, a sua câmera fotográfica - grande parte esboçando orgulho e sentimentos correspondentes com os de suas crianças, enquanto outros apenas conseguiam se manter impacientes, desejando o rápido término do evento para que pudessem finalmente esticar as panturrilhas exaustas pelo virtuoso canapé da sala. 

Com um único disparo ensurdecedor do revólver de festim empunhado pelo diretor, as curtas perninhas iniciaram um grande e louvável esforço para impressionar aqueles considerados os mais importantes por suas mentes infantis: seus heróis, os pais!

Acotovelavam-se e atropelavam-se, fazendo o possível para não machucar os colegas e, com isso, evitar represálias dos entes queridos. Ainda assim, um ou outro arranhão era inevitável, notória era a dedicação. Em minutos, a fita presa em altura estratégica e adequada aos corredores, na trave sem rede do campo de futebol da escola, seria rompida pela cintura do mais valente e veloz estudante, que enfrentara seus melhores amigos por instante significativo de glória. 

Os responsáveis, os professores e toda a administração daquela instituição infantil se amontoavam junto as frágeis linhas de barbante que separavam o gramado, onde todos estavam, do estreito corredor de cimento que agora trepidava ao impacto dos tênis caros calçados pelos filhos dos empresários daquela cidade pequena. Enquanto, empolgados e suplicantes por um pouco mais de atenção, os pequenos corriam com o máximo esforço, seus pais se olhavam, pediam educadamente para que alguns dos provedores que estavam ali cedessem um pequeno espaço junto ao barbante para que pudessem fotografar o motivo do orgulho da família. Poderia um pequeno evento escolar anular toda a raiva que os envolvidos sentiam por seus concorrentes do mercado de trabalho? Em suas vazias mentes, eles pensavam coisas como: “Saia da minha frente! Vou massacrá-lo no próximo período contábil!” ou “Esse terno foi comprado com os resultados vergonhosos que a sua empresa obteve?”. À exemplo, os pais da pequena Susan Foster não eram diferentes:

— Olá, querida! Há quanto tempo não nos víamos? Como tem passado? — a matriarca da família Foster, Eva, disse, com um sorriso que ocupava toda sua face, voltado para a mãe do colega de Susan, Sebastian Legrand, a Senhora Bela Legrand.

— É um imenso prazer revê-la, Senhora Eva! Estamos todos bem, muito felizes com os resultados do último exercício. — Bela respondeu.

— Um esplendor, de fato! Surpreendeu a mim e ao meu marido vê-los subir tanto. Foi a primeira vez em tantos anos, afinal. — Respondeu Eva, agora indignada por não ter sido a primeira a tocar no assunto dos negócios das famílias, para se gabar do incrível trabalho do marido. Enquanto elas se alfinetavam descaradamente, seus maridos não ficavam distantes dessa realidade:

— André, que mal faria contratar mais cinco ou dez funcionários? Como está, não continuará! — o Senhor Romeo Foster, pai de Susan e marido de Eva, dirigia-se revolto a André Legrand, o marido de Bela e pai de Sebastian, com toda a propriedade e sabedoria que um homem de negócios podia oferecer.

— Com todo o respeito, estás louco? — André não podia permitir que aquele homem se mostrasse tão superior — Minha empresa tem excelente estrutura, ótimos trabalhadores e um sistema inovador. Se tudo está dando certo, em perfeito equilíbrio, para que, eu lhe pergunto, deveria ser mudado?

— Não me entenda mal, velho amigo... Apenas uma sugestão é o que eu estava lhe oferecendo, já que temos tantos anos de experiência, se comparado a sua pequena indústria, não é verdade? — Romeo ironizou, enquanto estendia o braço sobre os ombros nus de sua esposa farta. A fim de demonstrar sua superioridade na arte de se portar perante a sociedade, ela não se calou:

— Ora, querido... Nossos amigos tão estimados e de longa data, assim como nós, estão tentando apreciar a corrida dos nossos filhos. Convenhamos, não seria este o momento de falarmos tanto em negócios. Isso, deixaremos para amanhã... — concluiu, fitando esfomeadamente o colar de pérolas reluzente recém comprado que a Senhora Bela Legrand carregava em seu pescoço.

— Está com a razão, Senhora Eva. Perdoe-nos por não segurarmos os nervos e a ansiedade. Creio que somos dois homens tão preocupados com suas famílias que não conseguimos deixar de lado aquilo que nos traz tanto conforto. Contudo, é hora de olharmos para o que nos traz tanto orgulho! — acrescentou André, como um último e sufocante esforço de se igualar à superioridade da Senhora Eva e justificar possíveis falas impensadas. 

Com um ar de pacificidade, eles se olharam, sorriram falsamente como já se tornara um costume entre os “concorrentes” daquela cidade, obrigados a suportar um ao outro pelo bem dos negócios e das famílias, e voltaram a admirar seus preciosos filhos que já ofegavam tanto, próximos a linha de chegada. 

Há algum tempo uma competição interna se instalara na mente dos pais: apesar de fugir do esperado, as crianças eram as mais inteligentes, puras e capazes daquele lugar e competiam apenas por amor, enquanto seus pais, limitados, focados em coisas não tão importantes e cegos pelo desejo de comprovar que eram melhores que qualquer outro ser humano na única coisa que sabiam fazer, queriam intensamente que seus filhos vencessem a corrida, como se dissessem “a criança mais forte e capaz saiu do berço mais forte e capaz”. 

Todos ali presentes já sentiam a poderosa vibração que emanava da plateia. Até as pobres crianças passaram a sentir pressão sobre os ombros tão precoces e se empurraram ainda mais para, finalmente, romper aquela faixa. Em segundos, alguém sairia vitorioso e conquistaria o amor e a atenção dos pais por algum tempo. Em segundos, tudo isso poderia se tornar realidade e o corajoso e verdadeiro herói teria a glória que tanto almejava. Pois é, isso poderia acontecer. Mas o romper da faixa ocorreu antes do planejado, por uma cintura não humana e roliça, ágil como nunca se viu: o cão do zelador, Bernardo. 

 

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